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PLURAL: os textos de Márcio Bernardes e Rony Cavalli

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Que país é esse?
Márcio de Souza Bernardes
Advogado e professor universitário

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Fui criança e iniciei a adolescência nos anos 80. Estes anos, especialmente no campo da economia, foram chamados de "a década perdida", no Brasil e em diversos países da América Latina. A denominação decorreu da estagnação econômica, alta inflação, agressiva retração industrial e um aumento expressivo na desigualdade social e, principalmente, da pobreza. Ao mesmo tempo, os ricos ficavam muito mais ricos. Passei esses anos ouvindo dos adultos, na televisão, nos jornais, nas conversas, um monte de planos para conter as crises econômicas e a inflação. Nunca davam certo e só pioravam o problema. Nesses anos 80, uma região no Brasil ficou mundialmente conhecida como "Vale da Morte". Era a cidade de Cubatão, em São Paulo. Foi o primeiro polo de indústria pesada construído, com o apoio dos governos da ditadura civil-militar, e sem a mínima preocupação ambiental. Sua população foi devastada por doenças causadas pela poluição atmosférica. Cubatão foi apontada pela ONU como a cidade mais poluída do mundo.

CORRIDA DO OURO

No início da década de 1980, foi incentivada a corrida do ouro. A região de Serra Pelada, no Pará, ficou conhecida mundialmente como o maior garimpo a céu aberto do mundo. A poluição e a degradação ambiental geram consequências até hoje. Os anos 80 foram também anos de luta contra a morte dos povos indígenas e destruição das florestas. O Cacique Raoni, dos Caiapós, tornou-se uma espécie de porta-voz do Brasil no que se refere à defesa da Amazônia. Outra referência nesta luta pelos povos da floresta e pela ecologia foi o seringueiro Chico Mendes, assassinado a tiros.

Os anos de 1980 foram tão duros quanto os 60 e 70. Por isso, entre os anos de 1987 e 1988, no campo político-jurídico e econômico, lutou-se por uma Constituição Federal que simbolizasse um pacto de proteção à vida, que colocasse o Meio Ambiente e a dignidade humana como centrais na preocupação do Estado brasileiro. A Constituição de 1988 desenhou um Brasil que queríamos como forma de rejeição à experiência destruidora que tínhamos vivido.

Na segunda-feira, 28 de setembro de 2020, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, e o Conselho Nacional do Meio Ambiente, que deveriam aumentar a proteção ambiental e zelar pelo cumprimento de suas normas, revogaram duas importantes resoluções que davam escoro à proteção ambiental da Constituição Federal de 1988. Parece que estamos prestes a iniciarmos outra década perdida, o que me faz lembrar de outro clássico do final dos anos 80, da banda Legião Urbana: "ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação. Que país é esse?" 

Um conservador jurídico no STF
Rony Pillar Cavalli
Advogado e professor universitário

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Se tivesse oportunidade de dar um conselho ao Presidente para escolha do futuro ministro do STF, aconselharia um "conservador jurídico".

Todos sabem que o Presidente nomeará um ministro conservador nos costumes, rígido quanto à aplicação do direito penal e, claro, cristão. Não adianta "chororô". Estas serão, sem dúvida, as qualidades que Bolsonaro não abrirá mão no futuro membro da Suprema Corte.

Um conservador jurídico seria um juiz pragmático, respeitador da velha e boa Teoria Geral do Direito, aquela à qual, inclusive, explica a necessária separação de Poderes, cada um com sua função.

Tenho saudade da época que os juízes não inventavam e interpretavam os institutos jurídicos segundo os conceitos clássicos e, com isto, davam segurança jurídica ao País, ao invés de se transvestirem ou de legisladores, inventando expressões que jamais foram pensadas pelo Poder Legislativo ou criando teorias estapafúrdias alicerçadas em suas vaidades e em suas necessidades patológicas de se sentirem iluminados, ao invés de tão somente serem intérpretes da lei.

ESCOLA DE MAGISTRATURA

Lecionei a disciplina de Introdução ao Estudo do Direito em praticamente todas as instituições de ensino que estive vinculado e perdi as contas das vezes que após ministrar certo conteúdo necessitei explicar porque o Poder Judiciário decidiu exatamente ao contrário aos conceitos do Direito que datam de séculos e porque um juiz metido à besta resolveu que ele é mais sábio do que a história e sua visão de mundo é mais correta do que a que deu certo por mais de dois mil anos.

Não tenho dúvidas em afirmar que o grande responsável pela total insegurança jurídica instalada no Brasil hoje é aquele Poder que deveria garantir a segurança, que é o Poder Judiciário.

Sei que meu sonho é grandioso demais, mas sonho ainda o dia que o ingresso na magistratura não advirá tão somente de um concurso público direto para o cargo e sim de um concurso de ingresso a uma "escola da magistratura", onde será o futuro juiz preparado para o exercício da função, como o modelo francês, cujo candidato, após ingressar na Escola Nacional da Magistratura -ENM-, fica longo tempo sendo preparado para o cargo e somente após sua completa aprovação é que assume verdadeiramente um cargo de juiz.

Enquanto meus sonhos maiores não se concretizam, acho que o menor e que poderá começar a devolver a estabilidade jurídica ao País se inicia com a indicação do novo ministro que deverá acontecer a partir da aposentadoria de Celso de Mello anunciada para o próximo dia 13 de outubro.

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